segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

NUNCA NEGUE UM PEDAÇO DE PÃO


Esta história nos foi encaminhada há algum tempo, por uma pessoa que acompanha nossas mídias sociais. Solicitou sigilo de sua identidade. Também não sabemos quem é o autor, mas é uma história linda, que merece ser compartilhada!
Ela pode ser também a sua história...

"Passava do meio dia, o cheiro de  pão quente invadia aquela rua, um sol escaldante convidava a todos para um  refresco.
Ricardinho não aguentou  o cheiro bom do pão e falou:
- Pai, tô com fome!!!
O pai,  Agenor, sem ter um  tostão no bolso, caminhando desde muito cedo em busca de  um trabalho, olha com os olhos marejados para o filho e pede  mais um pouco de paciência.
- Mas pai, desde ontem não comemos nada, eu tô  com muita fome, pai!
Envergonhado, triste e humilhado em seu coração de  pai, Agenor pede para o  filho aguardar na calçada enquanto entra na padaria a sua  frente.
Ao entrar dirige-se a um homem no  balcão:
- Meu senhor, estou com meu filho de apenas 6  anos na porta, com muita fome, não tenho nenhum tostão, pois sai cedo para  buscar um emprego e nada encontrei, eu lhe peço que em nome de Jesus me  forneça um pão para que eu possa matar a fome desse menino, em troca posso  varrer o chão de seu estabelecimento, lavar os pratos e copos, ou outro serviço que o senhor precisar!
Amaro , o dono da  padaria estranha aquele homem de semblante  calmo e sofrido, pedir comida em troca de trabalho e pede para que   ele chame o  filho.
Agenor pega o  filho pela mão e  apresenta-o a Amaro, que  imediatamente pede que os dois sentem-se junto ao balcão, onde manda  servir dois pratos de comida do famoso PF (Prato  Feito) - arroz, feijão, bife e ovo...
Para   Ricardinho era um  sonho, comer após tantas horas na rua. Para Agenor, uma dor a  mais, já que comer aquela comida maravilhosa fazia-o lembrar-se da esposa  e mais dois filhos que ficaram em casa apenas com um punhado de  fubá. Grossas lágrimas desciam dos seus olhos já na primeira  garfada.
A satisfação de ver seu filho devorando  aquele prato simples como se fosse um manjar dos deuses, 
lembrança de sua pequena família em casa, foi demais para seu  coração tão cansado de mais de 2 anos de desemprego, humilhações e  necessidades.
Amaro se aproxima  de Agenor e  percebendo a sua emoção, brinca para relaxar:
- Ô Maria, sua comida deve estar muito  ruim. Olha o meu amigo está até chorando de tristeza desse bife, será  que é sola de sapato?!?!
Imediatamente, Agenor sorri e diz  que nunca comeu comida tão apetitosa, e que agradecia a Deus por ter  esse prazer. 
Amaro pede então  que ele sossegue seu  coração, que almoçasse em paz e depois conversariam sobre  trabalho.
Mais confiante, Agenor enxuga as  lágrimas e começa a almoçar, já que sua fome já estava nas costas.
Após o almoço, Amaro  convida Agenor para uma  conversa nos fundos da padaria, onde havia um pequeno  escritório.
Agenor conta então  que há mais de 2 anos havia perdido o emprego e desde então, sem uma  especialidade profissional, sem estudos, ele estava vivendo de pequenos  "biscates aqui e acolá", mas que há 2 meses não recebia  nada.
Amaro resolve  então contratar Agenor para  serviços gerais na padaria, e penalizado, faz para o homem uma cesta  básica com alimentos para pelo menos 15 dias. Agenor com lágrimas  nos olhos agradece a confiança daquele homem e marca para o  dia seguinte seu início no trabalho.
Ao chegar em casa com  toda aquela "fartura", Agenor é um novo  homem - sentia esperanças, sentia que sua vida iria tomar novo  impulso. Deus estava lhe abrindo mais do que uma porta, era  toda uma esperança de dias melhores.
No dia seguinte, às 5 da  manhã, Agenor estava na  porta da padaria ansioso para iniciar seu novo  trabalho. Amaro chega logo  em seguida e sorri para aquele homem  que nem ele sabia porque  estava ajudando. Tinham a mesma  idade, 32 anos, e histórias  diferentes, mas algo dentro dele chamava-o para ajudar aquela  pessoa.
E, ele não se  enganou - durante um ano, Agenor foi o mais  dedicado trabalhador daquele estabelecimento, sempre honesto e  extremamente zeloso com seus deveres.
Um dia, Amaro chama  Agenor para uma  conversa e fala da escola que abriu vagas para a alfabetização de  adultos um quarteirão acima da padaria, e que ele fazia questão que  Agenor fosse  estudar.
Agenor nunca  esqueceu seu primeiro dia de aula: a mão trêmula nas primeiras letras e a  emoção da primeira carta.
Doze anos se passam desde aquele  primeiro dia de aula. Vamos encontrar o Dr. Agenor Baptista de Medeiros , advogado, abrindo seu escritório para seu  cliente, e depois outro, e depois mais outro.
Ao meio dia   ele desce para  um café na padaria do amigo Amaro, que fica  impressionado em ver o "antigo funcionário" tão elegante em seu primeiro  terno.
Mais dez anos se passam, e agora o Dr. Agenor Baptista, já com  uma clientela que mistura os mais necessitados que não podem pagar, e  os mais abastados que o pagam muito bem, resolve criar uma Instituição  que oferece aos desvalidos da sorte, que andam pelas ruas, pessoas  desempregadas e carentes de todos os tipos, um prato de comida  diariamente na hora do almoço.
Mais de 200 refeições são servidas  diariamente naquele lugar que é administrado pelo seu filho , o agora  nutricionista Ricardo Baptista.
Tudo mudou, tudo passou, mas a amizade  daqueles dois homens, Amaro e   Agenor  impressionava a todos que conheciam um pouco da história de cada  um.
Contam que aos 82 anos os dois faleceram no mesmo dia, quase  que a mesma hora, morrendo placidamente com um sorriso de dever  cumprido.
Ricardinho, o filho  mandou gravar na frente da "Casa do Caminho", que seu pai fundou com tanto  carinho:
"Um dia eu tive fome, e você me alimentou. Um dia eu  estava sem esperanças e você me deu um caminho. Um dia acordei sozinho,  e você me deu Deus, e isso não tem preço. Que Deus habite em eu coração e  alimente sua alma. E, que te sobre o pão da misericórdia para estender  a quem precisar!!!" "
(História  verídica)

Nunca negue um pedaço de pão!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

NÃO NASCEMOS PRONTOS

Nossa indicação de leitura é um texto de Mário Sérgio Cortella, publicado na Folha de São Paulo, em 28/09/2000. 
Apesar de 14 anos terem se passado, o texto é tão atual, que parece ter sido escrito ontem... boa leitura!

"O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: "O animal satisfeito dorme". Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais profundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.
Por isso, quando alguém diz "Fiquei muito satisfeito com você" ou "Estou muito satisfeita com seu trabalho", é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a ideia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é alguém dizer "seu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas".
Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, nos deixa insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, permanece um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?
Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.
Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar, emagrecer etc), ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: Por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.
Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais se é refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.
Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na ideia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando...
Isso não ocorre com gente, mas com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo. Eu, no ano 2000, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente.
Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, "não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro"..."

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/ IPF), entre outros, escreve aqui uma vez por mês


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2809200027.htm